Como é habitual nessas circunstâncias, quando a Alemanha conquistou o Campeonato do Mundo de futebol, em 2014, no Brasil, procuraram-se exaustivamente as razões que conduziram ao sucesso. Entre o carrossel de argumentos que foram encontrados, destacou-se um plano a 10 anos para a modalidade que tinha sido idealizado pela federação e posto em prática com diligência. Nessa altura, porém, a detentora do ceptro mundial não tinha sequer casa própria, apesar de haver vontade e algumas ideias nesse sentido. Ela chegou oito anos depois e já está a alimentar as selecções.
Chama-se DFB (Federação Alemã de Futebol) Campus e instalou-se numa zona privilegiada, em Frankfurt. Havia outras possibilidades em cima da mesa, mas a localização (numa área tranquila, a oito quilómetros do aeroporto e a 17 da estação de comboios da cidade) e as acessibilidades foram os factores que mais pesaram na decisão. É um espaço central e, ao mesmo tempo, suficientemente reservado para permitir o trabalho sem interferências.
Entre a data de lançamento da primeira pedra e a de inauguração do complexo, em Julho de 2022, foram necessários 1155 dias, uma derrapagem justificada pela pandemia de covid-19, que varreu o mundo nessa altura, e por um impasse judicial. É que o DFB Campus foi construído nos terrenos de uma antiga pista de corridas de cavalos, o que motivou uma acção em tribunal interposta pela empresa que explorava o negócio contra a Câmara de Frankfurt. Entretanto resolvido, naturalmente.
A empreitada ultrapassou o orçamento inicial de 150 milhões de euros (chegou aos 173 milhões), tudo com o propósito de promover a investigação e o desenvolvimento do futebol, sob uma lógica de cruzamento de diferentes departamentos, o da administração e o estritamente desportivo. São 15 hectares de área total (com possibilidade de expansão) que acolhem a sede da federação, as selecções jovens — com 33 quartos para estágios —, três relvados naturais, um relvado artificial num pavilhão coberto, com as dimensões oficiais, e outro pavilhão para o futsal.
“O DFB Campus é uma enorme oportunidade para a federação e para o futebol alemão, como espaço de contacto entre a formação e o desporto de elite. Um espaço moderno, aberto, sustentável. A Academia da DFB, com as suas áreas de treino e de inovação, é uma fonte de serviços e de inspiração para o futebol alemão”, apontou, na altura, Oliver Bierhoff, director com a pasta das selecções nacionais. “Uma das suas principais missões é desenvolver jogadores, treinadores e especialistas para que treinem ainda melhor”.
Para essa tarefa, há um trabalho holístico, com áreas que vão desde a nutrição ao apoio psicológico, passando pela ideia de jogo que se tenta implementar desde a base (à imagem do que fazem outras selecções, como a de Portugal). Mas treinar ainda melhor passa, essencialmente, pelos detalhes, como a tecnologia que é usada para optimizar as bolas paradas, um software que mede a precisão do remate, a direcção e a velocidade imprimida à bola, a zona de impacto do pé e a curva que gera. Todos os pormenores contam.
Selecção A estagia fora
O DFB Campus é um espaço vanguardista (e aberto a visitas). Um ecrã imponente, em forma de bola digital gigante, compõe uma das paredes mestras, sendo o edifício dividido por temas, com detalhes de decoração e funcionalidade sempre ligados ao futebol. Foram usadas redes das balizas na protecção das escadarias, por exemplo, ou pitons antigos para emular o troféu de campeão do mundo feminino. Há uma pequena sala-museu, que acolhe camisolas antigas, taças e objectos que contam parte da história da modalidade, salas para oficinas e análise, salas de jogos para momentos de descontracção, uma generosa zona de media e um espaço para conferências.
É uma “máquina” pesada, portanto, em termos de recursos humanos. Segundo nos explicou o guia da visita, há 745 trabalhadores (embora muitos deles sem ser a tempo inteiro) no complexo, que, como é evidente, também está pronto a acolher a selecção principal. De resto, o espaço foi pensado para facilitar o trânsito dos elementos da equipeque ocupa parte do piso zero (são quatro andares no total) precisamente para que o acesso aos campos de treino seja fluido. Os gabinetes técnicos, como o escritório do seleccionador Julian Nagelsmann, os balneários, o ginásio e as salas de tratamento e fisioterapia têm todos ligação directa e privilegiada ao relvado.
Com estas condições, levanta-se a questão: por que razão é que a selecção da Alemanha está a estagiar em Herzogenaurach, na Baviera, durante o Euro 2024, e não no quartel-general da DFB? A resposta é simples: porque não foi contemplado no projecto alojamento para a equipa principal, masculina ou feminina. Na prática, cumprir todos os requisitos obrigaria à construção de mais um piso, o que faria disparar o orçamento. Era um valor suficiente para mais de dez anos de estágios noutro local qualquer, garantiram-nos.
Por isso, a selecção anfitriã deste Euro 2024 vai continuar a “viajar para fora cá dentro”. E pelo menos até aos oitavos-de-final deste torneio tem estadia garantida, depois de ter assegurado a qualificação para a próxima ronda ainda com um jogo por disputar na fase de grupos. Para já, são duas vitórias em duas partidas. Segue-se a Suíça, dentro de dois dias. Onde? No Waldstadion, em Frankfurt, casa das selecções.