Ainda a propósito de Aguiar-Branco
Fala-se muito em tolerância, mas pouco em respeito. Sempre que estas palavras, respeito e tolerância, puderem ser usadas alternativamente, prefiro o respeito à tolerância. A palavra tolerância está gasta, adulterada, vazia de significado, pelo mau uso que se tem feito dela e pela incoerência de muitos dos seus paladinos que frequentemente não “tolerarem” a diferença. Por vezes, lembram-me o dito irónico de um eminente intelectual nascido no século XIX: “Quando ouço dar vivas à liberdade, vou à janela ver quem vai preso.”
Além disso, esta palavra parece estar revestida de alguma superioridade moral, de alguma sobranceria. O tolerante magnanimamente concede ao outro o favor de o tolerar. O direito ao respeito tem como fundamento a dignidade de todo o ser humano, sem excepção. Ao contrário de uma tolerância mal-entendida, o respeito pelo outro não é uma concessão ou um favor que lhe fazemos, mas sim um direito inerente à condição humana. O respeito implica que o pensamento dos outros, por mais diferente que seja do nosso ou por mais aberrante que nos pareça, possa ser livremente pensado, livremente expresso, mas também livremente rebatido ou contra-argumentado sempre que assim o decidirmos, mas nunca proibido.
Felizmente, Aguiar-Branco optou pelo respeito pela liberdade de expressão do pensamento.
António Sarmento, Porto
Justiça ou injustiça, eis a questão!
A sociedade quer-se justa e pronta a avaliar todas as situações em função dos dados apurados. Para isso tem agentes próprios, no aparelho jurídico, para investigar a matéria de prova dos processos que lhes são postos à consideração. Quanto maior e melhor for a sua capacidade, tanto maior será o grau de segurança dos cidadãos. O apuramento de factos deve reproduzir a verdade e não basear-se em pressupostos tendencialmente duvidosos.
Vem isto a propósito do agora falado confisco de bens de quem, mesmo não tendo sido condenado em tempo útil, possa suscitar dúvidas, mesmo que as mesmas não tenham encontrado matéria que as justifique. Tal situação, que pelos vistos não é nova, afigura-se moralmente questionável por depender de um qualquer livre-arbítrio de quem decida sem ter encontrado razões concretas para condenar. Com efeito, haja condenação e os actos decorrentes da culpa terão de se traduzir nas penas e consequências daí derivadas. Não havendo condenação, como será moralmente possível confiscarem-se bens por mera dedução? E qual a sua extensão? Correcta ou errada? Quase quereria dizer que um arguido, só por existir, deveria suportar uma pena fosse ela fundada ou não. Uma afirmação de poder judicial, sem apelo nem agravo, que pode tender a tornar a justiça… muito injusta.
Eduardo Fidalgo, Linda-a-Velha
Putin e o Ocidente cada vez mais ateu e decadente
José Estaline afirmava que “a teoria marxista-leninista não é um dogma, mas um guia para a acção”. Não é despiciendo afirmar que Putin não rejeitou esta visão de Estaline e adaptou-a à sua retórica vagamente messiânica e militarista para justificar a sua férrea autoridade (tal como Estaline) e para justificar a influência da Rússia euro-asiática e ortodoxa, depositária, segundo Putin, da verdadeira religião, em confronto com “um Ocidente individualista, liberal, ateu, materialista e decadente”. Com esta visão segue a tradição eslavófila do século XIX que nunca obteve mais do que o apoio de um grupo de intelectuais e sacerdotes marginais da sociedade russa. No que Putin terá alguma dose de verdade – mas isso não contribui para branquear o seu despotismo – é na referência que faz a um Ocidente cada vez “mais ateu, materialista, hedonista e decadente”. De facto, é uma realidade que se percepciona e que contribui para a degenerescência desse mesmo Ocidente. Oswald Spengler e Max Nordau vão emergindo nestes tempos conturbados.
António Cândido Miguéis, Vila Real
Punir a violência doméstica
Declaração prévia de interesses: carrego comigo vários preciosíssimos obrigados resultantes do apoio conferido em equipa de emergência de apoio às vítimas de violência doméstica, que não troco por qualquer taluda milionária, e continuo a estudar-escrever sobre a melhor forma de intervenção. Arrepia-me ler de ilustres pessoas e muito letradas que o aumento das penas, neste caso para o crime de violência doméstica, é a tal solução urgente e eficaz que falta aplicar para de uma vez por todas se acabar com esse flagelo, mas dessa forma tanto se pretere a resolução do problema a montante (ex.: prevenção), como se desfere a jusante uma forte machadada numa justiça penal humanista e liberal, bem como uma dilapidação na filosofia beccariana que é responsável por um dos maiores avanços civilizacionais em matéria carcerária, resultando no final um Estado de menor direitos e, por sua vez, de garantias. Ou será essa mais uma proposta toldada pelo populismo que por aí pulula?
Emanuel Carvalho, Lisboa