Depois do excedente recorde de 1,4% registado em 2023 – uma revisão em alta face aos 1,2% estimados anteriormente -, as contas públicas portuguesas voltaram, no arranque deste ano, para um saldo ligeiramente negativo, que confirma os desafios que o novo Governo poderá enfrentar para cumprir a meta de atingir novamente um excedente no final de 2024.
De acordo com os dados das contas nacionais divulgados esta segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), as Administrações Públicas registaram no primeiro trimestre deste ano um défice de 119 milhões de euros, um valor que corresponde a 0,2% do produto interno bruto (PIB) verificado no mesmo período de tempo.
O saldo do trimestre é 811 milhões de euros mais negativo do que o verificado no mesmo período do ano anterior, altura em que se verificou um excedente de 1,3% (valor também revisto em alta face aos 1,1% antes estimados).
As contas públicas do primeiro trimestre já tinham sido alvo de polémica no início de Maio quando o actual ministro das Finanças acusou o anterior executivo governamental de ter deixado as contas públicas “bastante pior” do que o esperado.
Joaquim Miranda Sarmento apresentou na altura os dados da execução orçamental em contabilidade pública divulgados pelo Ministério das Finanças e que mostravam uma deterioração do saldo orçamental no primeiro trimestre (período em que o anterior Governo estava ainda em funções) de quase 2300 milhões de euros face ao mesmo período do ano anterior.
Agora, os dados do INE, que usam a metodologia adoptada no cálculo do saldo orçamental reportado a Bruxelas, mostram uma deterioração do saldo bastante mais moderada, mas mesmo assim a suficiente para as contas terem passado de um excedente de 1,3% do PIB no primeiro trimestre do ano passado para um défice de 0,2% no primeiro trimestre deste ano.
Os números confirmam a dificuldade que o Governo pode agora ter em, até ao final do ano, compensar o défice de 119 milhões apresentado nos primeiros três meses e regressar a um saldo positivo até ao final do ano.
Há duas semanas, o Banco de Portugal, assinalando a adopção ao longo deste ano de diversas medidas de acréscimo da despesa e redução da receita, como o corte no IRS aprovado já este mês na Assembleia da República, alertou para o risco de se estar a caminhar para um défice público já durante este ano.
Ainda assim, um défice no primeiro trimestre não significa necessariamente que no total do ano um défice seja o resultado final. Tudo depende do padrão de execução da despesa e da receita, sendo que a data em que são aplicadas algumas medidas pode ser decisiva. Habitualmente o terceiro trimestre é o que apresenta um saldo mais positivo e o quarto aquele que revela uma tendência mais negativa.
Em anos anteriores, houve diversas ocasiões em que o saldo final do ano acabou por ser mais positivo do que o registado nos três primeiros meses. Em 2022, depois de um défice de 0,7% no primeiro trimestre, registou-se um défice de 0,4% no final do ano, e em 2021, o défice foi de 6,5% nos primeiros três meses e de 3,3% na totalidade do ano.
Nos dados apresentados esta segunda-feira, o INE diz que a explicar o regresso a um défice está o facto de, no primeiro trimestre deste ano, se ter verificado, face ao mesmo período do ano anterior, um aumento de 7,3% da receita e de 11,0% da despesa.
Entre as despesas que mais subiram estão as prestações sociais, com um aumento de 11,6%, algo que se deve em larga medida ao facto de a actualização das pensões ter sido calculada com base na inflação elevada registada em 2023.
Para além disso, a despesa com subsídios, mais do que duplicou, saltando de 361,9 milhões de euros no primeiro trimestre do ano passado para 736,2 milhões no primeiro trimestre deste ano.
As despesas com pessoal, outra componente importante do orçamento do Estado, registaram no arranque de 2024 uma variação homóloga de 9,6%.
No que diz respeito ao investimento público, a variação homóloga registada no primeiro trimestre de 6,4% mantém o peso deste indicador no PIB nos 1,6% e fica consideravelmente abaixo da meta definida no OE.
Do lado da receita, os impostos apresentaram taxas de crescimento homólogo na casa dos 6% (61% no caso dos impostos directos e 6,7% no dos impostos indirectos), ao passo que nas contribuições sociais, o bom desempenho do mercado de trabalho, com mais emprego e subidas salariais, conduziu a um acréscimo das receitas de 9,7%.