O Governo apresentou o plano “+ Aulas + Sucesso” que visa assegurar aulas sem interrupções no ano letivo.
Vimos a este tema, porque ele exemplifica a razão pela qual sistematicamente se ouve dizer que em educação está sempre tudo a mudar. Ainda que discordemos desta afirmação, constatamos que ela está muito vulgarizada entre os atores da comunidade educativa.
O problema da falta de professores está identificado e nos últimos anos foram tomadas medidas para o combater. Porque a questão é complexa e não há a medida que a resolva, muito menos rapidamente, seria benéfico implementar um modelo incremental que, centrado no diagnóstico feito e nos valores defendidos, continuasse soluções e construísse outras sem semear nos diferentes atores a ideia de permanente recomeço que os desmobiliza e limita no investimento que é preciso fazer.
O plano fixa um objetivo para 2024-25: “Fim dos períodos prolongados sem aulas”. Enquadrados neste período temporal, diremos que é possível ter dois focos de atuação: aumentar o número de horas de professores disponíveis e melhorar a gestão, verificando se há trabalho que pode ser feito de outro modo e/ou com outro tipo de recursos.
As medidas do plano apostam mais no aumento de “mão de obra disponível” e menos nas possibilidades de reorganização do trabalho docente. Tem algumas ideias novas, cuja experimentação dirá dos seus efeitos, outras que não estão alinhadas com o objetivo e metas para o próximo ano letivo e outras que já existem, mas porque revestidas numa formulação diferente, reforçam a ideia de mudança permanente.
Vejamos alguns exemplos, procurando enunciar determinados aspetos que poderão aumentar a eficácia do plano.
1. O recurso a horas extraordinárias, mesmo para os docentes com horas de redução, está previsto desde sempre no Estatuto da Carreira Docente e tem sido um meio recorrente para garantir mais aulas. Rever os limites fixados é um bom caminho. No entanto, é conveniente perceber que razões não tornam a solução apetecível para os professores. Há duas vias que, excecionais para momentos críticos, poderão ajudar: valorizar a sua remuneração e/ou eliminar os efeitos fiscais negativos no conjunto da retribuição dos docentes.
2. Atrair docentes aposentados e prever um suplemento remuneratório para quem opte por não se aposentar é uma aposta na linha do seguido noutras áreas profissionais. Percebendo-se o objetivo de recorrer a todas os docentes possíveis, importa ter em conta que o exercício docente no ensino básico ou secundário, em aulas de 50 em 50 minutos, em turmas de vinte ou mais alunos, se revela mais exigente do que um trabalho individualizado, desenvolvido ao ritmo do próprio profissional ou do que a lecionação em turmas de mestrados ou doutoramentos. Assim, os dados disponíveis não permitem adivinhar uma adesão entusiasmante a estas medidas. Acresce ainda que, para a medida ser eficaz, importará rever a proposta de retribuição pelo índice 167 correspondente ao início de carreira. Veja-se que aos docentes que optem por não se aposentar é garantida a manutenção do índice e o acréscimo de um suplemento remuneratório.
3. A possibilidade de os bolseiros acumularem até dez horas de docência permite, de facto, aumentar a disponibilidade de recursos humanos, ainda que os limite na conclusão dos seus projetos de investigação. O exercício de funções por parte de mestres, doutores e investigadores já é possível e já está previsto. A forma como é enunciada pode dar um sinal claro aos investigadores de que não se vislumbram para eles outras soluções ao nível do ensino superior.
4. A redução das mobilidades estatutárias, com incidência não nos destacados, como é dito, porque estes exercem funções docentes, mas nos requisitados tem já sido levada a cabo e requer como compensação a contratação de técnicos superiores que assegurem esses serviços.
5. Entre as medidas desfocadas do seu objetivo está a atribuição de bolsas a alunos dos cursos em Ciências da Educação/Ensino. Não se percebe como estas bolsas disponibilizam mais docentes no próximo ano letivo, muito menos os de Ciências da Educação que não têm habilitação para a docência.
Pelo contrário, a medida já prevista de estágios remunerados pode ser operacionalizada e terá efeitos imediatos. Nestes casos, os formandos asseguram horários disponíveis sendo retribuídos por esse trabalho.
A pensar em efeitos futuros, mas a precisar de medidas desde já, importa incentivar e dar meios às instituições de ensino superior para que abram mais vagas na formação de professores. Não se pode desperdiçar o facto de existirem candidatos que não obtêm vagas.
Recorda-se que as regiões com mais falta de professores são aquelas onde houve menos disponibilidade de formação inicial.
6. Completar o serviço docente criando uma bolsa de horas de crédito não aumenta o número de docentes disponíveis. O efeito positivo da medida decorre do facto de reforçar as possibilidades de aceitação das colocações e a estabilidade dos docentes durante o ano letivo. É uma medida já implementada nos anos letivos anteriores, quando se majoraram horários incompletos em regiões e grupos com carência de professores. A medida pode ser avaliada e melhorada para se perceber os seus benefícios e até a vantagem do teto definido de 3000 créditos.
7. A contratação de escola já pode abrir procedimentos todos os dias. Convém recordar que estes processos requerem sempre candidaturas e análise das mesmas. Logo, têm uma morosidade intrínseca que não é possível eliminar.
Há, de facto, uma área da colocação de docentes onde é possível implementar uma maior celeridade. Mais uma vez, não é preciso “inventar a roda”. Basta reler e instituir o modelo adotado em 2009, ao abrigo do Decreto-lei n.º 51/2009. Aí, no concurso nacional onde os docentes são colocados a partir de uma lista prévia ordenada de graduação, é possível, com os meios já disponíveis, solicitar um docente às nove da manhã e em poucos minutos ter o docente colocado. Portanto, não há razões para demoras na colocação de docentes. Assim haja candidatos.
8. As medidas do plano, que apontam para uma gestão de docentes e flexibilização na gestão de horários, são poucas, pouco percetíveis – o que será isso da sobreposição de “disciplinas críticas” – e pouco ousadas.
A contratação de 140 técnicos superiores, para mais de 800 agrupamentos, ainda que possam colaborar com os professores, não tem efeitos no aumento de docentes disponíveis.
Em jeito de sugestão, importa iniciar uma reflexão sobre se não há um conjunto de funções, até agora restritas a docentes, que com uma boa supervisão docente e eficaz planeamento por parte dos órgãos pedagógicos, podem ser asseguradas por não docentes.
Facilmente enunciamos as dificuldades de uma gestão de sala de aula, cada vez mais exigente. No entanto, somos menos capazes e ágeis em aceitar medidas que permitam facilitar a lecionação. Numa sala de aula mais complexa, onde já não queremos alunos calados, sempre quietos e sentados, é positivo ter outros profissionais que colaborem com o professor. A gestão das atividades e das questões comportamentais têm muito a ganhar com um trabalho em equipa que permita diferentes modelos de ação e diferentes intervenções.
Por fim, ainda que não tenha sido divulgada a forma de apuramento do número de alunos sem aulas e dos custos das medidas, há dados que “saltam à vista desarmada” e aconselham uma nova análise dos mesmos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico