Dia 28 há greve da CP. A convocatória é subscrita por onze organizações sindicais e reivindica a valorização das carreiras de todos os trabalhadores da empresa. Nada mais justo: em muitas das profissões da ferrovia, os salários rondam os mil euros. E, nos casos em que se recebe mais, é a troco de demasiadas horas de trabalho, passadas longe de casa, não poucas vezes em horários e períodos em que o resto do país descansa. Na CP, a tendência tem sido diminuir a especialização e aumentar a “polivalência” de cada técnico – onde antes havia mecânicos, eletricistas, soldadores, estofadores, hoje há apenas “técnicos de manutenção”, prejudicando a qualidade do trabalho e, assim, o serviço prestado. Só por isto, seria justa a luta dos trabalhadores da CP.
Pretendo acrescentar outro motivo para que se apoie esta greve e para que a CP e o governo atendam a estas reivindicações. Esse motivo é o futuro do planeta: esta é uma greve pelo clima. Porquê?
Portugal tem de descarbonizar a sua economia a contrarrelógio. Segundo as metas do governo, o corte de emissões deve ser de 55%, até 2030, para alcançar uma redução líquida de 100% até 2050 (estas metas, calculadas face aos valores de 2005, são, na verdade, insuficientes, mas dão uma noção da magnitude do esforço necessário). Devemos fazê-lo para cumprir os compromissos internacionais, mas sobretudo porque o mundo está em “ebulição”: o calor extremo matou centenas de pessoas pelo mundo todo nos últimos dias; cheias devastaram o sul do Brasil, a Indonésia ou zonas de Espanha; a seca tornou-se endémica em parte de Portugal; os refugiados climáticos são já mais de 30 milhões – enfim, a crise climática é uma ameaça existencial global.
Ora, acontece que o setor dos transportes é, no nosso país, o que mais gases de efeito de estufa – que causam a crise climática – emite. Mais do que a energia ou a indústria. Podemos investir milhões nas renováveis (e bem precisamos), mas, sem mudar a mobilidade, vai servir de pouco.
Esta revolução implica muitas transformações, mas de duas coisas temos a certeza. Uma: teremos de mudar para um paradigma de mobilidade coletiva – transitar do modelo do automóvel individual a combustão para o elétrico é inviável e acarreta muitos problemas ecológicos (desde logo, devido ao lítio das baterias). Duas: a espinha dorsal de qualquer modelo de mobilidade coletiva limpa é a ferrovia.
Teremos de investir, e muito, na ferrovia. Há planos para tal – o Ferrovia 2020 e o PNI 2030. Mas a questão, neste caso, é mais simples: não há ferrovia sem ferroviários. E sem ferrovia não há descarbonização, ou seja, futuro sustentável.
Moral da história: sem investir em quem trabalha, não há TGV, centrais solares, hidrogénio verde, nem nada que nos salve. Neste caso, sem trabalhadores da manutenção, revisores, maquinistas, pessoal das bilheteiras, administrativos e afins, não há transição para uma economia verde. E, muito menos, justa.
Não é só uma questão sindical, mas pragmática. Já hoje, na ferrovia, como nos hospitais e nas escolas, há dificuldade em contratar, como as próprias empresas reconhecem. Os baixos salários não atraem nem fixam quem trabalha. Os qualificados emigram; os mais experientes reformam-se sem ter a quem transmitir os conhecimentos. De que vale investir milhões em novas linhas, na alta velocidade e na eletrificação se depois não há gente para meter os comboios a andar?
A falta de valorização das carreiras na CP é só um dos ângulos deste descaso. Tivemos outra greve, dos trabalhadores da estação do Oriente, em Lisboa, em fevereiro, por, literalmente, chover dentro das bilheteiras, haver falta de pessoal e de condições materiais mínimas. A manifestação da população de Coimbra, dia 21 deste mês, contra o encerramento da estação no centro da cidade, foi outro exemplo. Sem condições, sem pessoal suficiente, sem estações próximas das pessoas, a ferrovia não compete com o automóvel e a rodovia. E o planeta é que paga.
A valorização dos trabalhadores da CP, o bem-estar dos utentes, a coesão territorial e a defesa do planeta são uma só luta. É tudo isso, também, que está em causa na greve de dia 28. Acredito até que cruzar explicitamente estas motivações – prestar um serviço essencial às pessoas e ao planeta – com as reivindicações laborais granjeará mais apoio da opinião pública a esta e outras greves.
Na Alemanha, o movimento #wirfahrenzusammen uniu os jovens das greves climáticas aos sindicatos dos transportes em greves e manifestações que pararam o país. Por cá, a Campanha Empregos para o Clima e a iniciativa Todos a Bordo, lançada por várias organizações, pretendem caminhar no mesmo sentido. É necessário juntar utentes e trabalhadores dos transportes públicos ao movimento por justiça climática, por um planeta habitável e um país que valorize quem trabalha e faça da mobilidade coletiva um serviço público para todos. Este é mais um motivo para apoiar a justa greve dos trabalhadores da CP.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico