Ouvimos a frase que dá título a este artigo na obra-prima fílmica de Paul Thomas Anderson, datada de 1999, chamada Magnóliaum filme difícil de resumir.
O seu genuíno tema é o poder da culpa e do arrependimento na vida de pessoas comuns.
A corrosão da alma e a necessidade do perdão para algumas personagens é muita.
Naquele pedacinho de céu encontra-se a peça chave.
O indício básico, a grande simbologia metaforizada.
Há, de facto, pecados no nosso passado?
E se as experiências adversas na nossa infância não dependerem da nossa culpa mas da culpa de terceiros, aqueles que deveriam ter sido nossos guardiões mas que são, afinal de contas, nossos algozes?
O passado queima.
Mariana Negrão, em inspirado artigo publicado no PÚBLICO em 6/4/2023, escreveu:
«É importante que a comunidade e as suas organizações – a escola, os cuidados de saúde, os locais de lazer, os contextos de proteção – sejam responsivas a estas trajetórias e capazes de prestar cuidados sensíveis ao trauma, no alinhamento com a promoção dos direitos das crianças e da resiliência da comunidade.
Isto porque a criança vem inteira para a escola, não deixa o trauma à porta – pelo que, se ele for invisível e não for endereçado, pode tornar-se de uma exigência desmesurada a simples tarefa de se concentrar e aprender.
Da mesma forma, o jovem que vai inteiro para o campeonato desportivo não deixa o trauma no balneário – pelo que, se ele passar despercebido e não for trabalhado, pode assumir-se hercúleo não esmurrar tudo e todos quando surge a frustração.
Assim, torna-se necessário que os vários contextos e os seus profissionais estejam imbuídos e capacitados de uma abordagem sensível ao trauma: que permita reconhecê-lo, bem como aos seus efeitos, e responder-lhe – para que se reduza o impacto destas experiências nas crianças, jovens e seus cuidadores, se evite a retraumatização e se potencie o saudável desenvolvimento de cada um».
Por isso, foi lançada a 31 de Maio de 2024 uma obra intitulada O que se passa na infância não fica na infância, pela Editora d’Ideias, jovem editora de Coimbra, coordenada pelos autores deste artigo, ambos trabalhadores da infância há largos anos. Parte da premissa de que é fundamental contrariar a invisibilidade da adversidade e do trauma vivido na infância por cada um de nós.
Torna-se, pois, necessário que os vários contextos e os seus profissionais estejam imbuídos e capacitados de uma abordagem sensível ao trauma: que permita reconhecê-lo, bem como aos seus efeitos, e responder-lhe.
Para atingir esse desiderato, O que se passa na infância não fica na infância visita 50 personalidades – ligadas pessoalmente ou profissionalmente à proteção das crianças e ao seu saudável desenvolvimento –reunindo um conjunto de abordagens pessoais e multidisciplinares, remetendo para as consequências irreversíveis e duradouras das experiências adversas na infância (podendo fazer o espelho com o que de melhor nos aí aconteceu, marcando-nos para sempre nesse véu de benignidade de que a meninez também se veste).
Este projeto, com lançamento no Dia da Criança, está integrado numa campanha que visa promover o combate aos maus tratos infantis, pressagiando um “manifesto” que defenda a necessidade de alertar a opinião pública para esta problemática.
Nele é também dada voz a ex-acolhidos – um dos quais Eder, que transformou Portugal em Campeão Europeu de Futebol, corria o ano de 2016.
E outros nomes se sucedem.
Alcina da Costa Ribeiro, Alexandra Anciães, Alfredo Ferreira, Álvaro Laborinho Lúcio, Ana Mendes Godinho, Ana Paula Lourenço, Ana Perdigão, Ana Rita Alfaiate, André Tavares Rodrigues, António Castanho, António Pedro Peniche, Carlos Neto, Carolina Té, Catarina Ribeiro, David Rodrigues, Fátima Serrano, Fernando Franco, Galopim de Carvalho, Helena Oliveira, Hélio Bento Ferreira, Joana Alexandre, Joana Baptista, Joana Marques Vidal, João da Silva Miguel, João Pedro Gaspar, João Redondo, José Morgado, José Oliveira Barros, Junia Vilhena, Luís Fernandes, Maria Alexandra Silva, Maria Barbosa Ducharne, Marta Santos Pais, Norberto Martins, Odete Severino Soares, Paulo Guerra, Pedro Cunha, Pedro Gaspar (Chat GPT), Pedro Lima, Pedro Strecht, Regina Condessa, Rosa Clemente, Rosário Farmhouse, Rui Godinho, Rui Marques, Rute Agulhas, Sandra Passinhas, Sónia Almeida e Sónia Rodrigues
Com o apoio escrito da Presidência da República, em gentil mensagem enviada à Obra, com a inicial palavra prefaciada do mestre da Infância, Juiz Conselheiro Armando Leandro.
Com a voz sempre embargada pelas emoções de quem se considera trabalhador da infância e que tudo fez, faz e fará para que todas as crianças deste país tenham direito a uma excelência na Infância.
A receita das vendas reverterá para a PAJE – Plataforma de Apoio a Jovens (Ex)acolhidos, sediada em Coimbra.
Estão projetadas apresentações públicas da obra no Porto, em Santarém, em Loulé, em Viseu, em Leiria e na Póvoa do Varzim, depois de ter sido já apresentada em Lisboa, em Évora e em Coimbra.
Para que a onda cresça!
E para que cada um de nós faça o que lhe compete – estar atento, denunciar, integrar e tratar o trauma infantil antes que «o monstro tome conta de nós».
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico